quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

ano que vem eu me caso
ano que vem eu compro um fusca
ano que vem eu termino a faculdade
ano que vem eu vou mudar de vida
e morar no andar de cima

Nicolas Behr

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Penetrando inacabados mares: a poesia metafísica e a dor de existir

O percurso é iniciado após "um movimento diferente, em que o impulso de prosseguir acompanha o passo do paladar". O périplo proporto transita entre a abstração do pensamento e a materialidade dos objetos, sendo entrecortado por sensações e experimentações que se dão no exato momento em que se penetra os inacabados mares e se mergulha na manualidade dos sentidos do universo poético de Casé Lontra Marques. Aos navegantes destes mares um alerta: as águas são densas e o pensamento espesso. O tempo indica a possibilidade de se quebrarem costelas e vidraças - é o que nos aponta a palavra engenhosamente lavrada.
Na enigmática escrita de Casé deparamo-nos com elementos chave de sua poética: abstração, concretude, palavra, corpo, acidez, suavidade, lucidez e convulsão, sendo-nos apresentadas sinuosas pedras que são arrebentadas pela argumentação. Por entre paradoxos e antíteses, o movimento, um dos temas centrais em Mares inacabados, é perpassados pelos poemas e versos, assim como a penetração dos sentidos que acaba por universalizar a experiência pessoal. O drama da existência revela uma provável influência das idéias pessimistas de Schopenhauer, além, é claro, de algumas posturas de sua poesia: o desejo de transcender a matéria e integrar-se através da experimentação no mundo das coisas.
Ao mergulhar pelos Mares inacabados, o leitor de Casé entra em contato com a tessitura de um universo poético sobremodo peculiar, lambuzando-se de sensações plurissignificantes através de uma poesia que mais parece um tratado filosófico.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Buda merda!

Dei um amasso em Bréton
,e ele diz que foi por Acaso;
- Não é de bom tom.
Logo ele, com tanto descaso ...

domingo, 22 de março de 2009

Baralhar

Ouça um bom conselho:

Olhos com dentes que mordem. Dentes com unhas que arranham. Unhas com bocas que cravam. Bocas com pés que levam. Pés com peitos que clamam. Peitos com línguas que chamam. Línguas com mãos que tocam. Mãos com pernas que puxam. Pernas com braços que casam. Braços com paus que se mostram; e Paus com Copas que se fundem, é jogo muito perigoso, meu amigo.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Paul McCartney & Chico Buarque: sonhos sonhos são

Alguns achados que dariam, se não teses, no mínimo deliciosos papos em inteligentes cervejadas, ou ao contrário, se preferirem. Caetano Veloso, a certa altura de seu livro Verdade Tropical, nos diz que alguns artistas estão fixados à infância. Estes fariam os trabalhos mais profundos e, em certos casos, mais monocórdios. Outros, segundo ele, estariam indelevelmente marcados pela adolescência, e realizariam obras mais superficiais e de maior riqueza temática.
No imaginativo jogo proposto por Caetano, lanço como exemplos gigantescos de artistas intensamente vinculados à infância os Beatles, mais especificamente John Lennon e Paul McCartney, e Chico Buarque de Hollanda. Canções como “The Fool on the Hill”, “Maninha”, “Strawberry Fields Forever”, “João e Maria”, a versão dos Saltimbancos, “Penny Lane”… são tantas e tantas criações arquetípicas, fabulosas! Tem coisa que parece música de criança mesmo. Lembro do Caetano dizendo que “A Banda” parecia “obra de um moleque”, se comparada a “obras primas” como “Pedro Pedreiro” e “Sonho de um Carnaval”. Compreendo-o perfeitamente, mas bem lá dentro sinto-me incapaz de conceber tal antítese. “A Banda” é coisa de moleque mesmo. Até a Clarice Lispector achava isso, mas sob outros pontos de vista e ouvido.


Agora, que essa questão das idades artísticas dá um pano pra manga, dá. Chico, John e Paul fizeram essas canções na juventude e maturidade. E aos 16 anos Paul McCartney martelando o velho piano de sua casa paterna cantarolou a melodia de “When I’m Sixty Four”, que o Paul disse tratar-se de uma música inspirada pelo medo da velhice. E o romântico Tchaikowsky escreveu, aos seis anos, em francês, um poema intitulado “A Velhice de um homem que fala sonhando na idade de 60 anos”. Essa dança de idades no tempo nos remete fortemente a Jorge Luis Borges, o bruxo Borges, cujo conto “O Imortal”, pode ter sido uma das fontes de inspiração da bela “O Homem Velho”, de Caetano, que homenageava Chico que, então pelos 40, já havia feito “O Velho” aos 20 anos, e… um amigo da Net disse que “Penny Lane” também era sobre o medo da velhice.
As analogias entre Chico e Paul vão longe, e em aspectos que podem passar despercebidos. São dois dos maiores melodistas e letristas da canção, em todos os tempos. Chico, dono de uma erudição considerável, em instante algum permite que esta turve sua obra, cristalina, concisa, sem adereços desnecessários, efeitos que ressaltem da poética ou da música em detrimento da composição no todo. Paul, sempre distante de qualquer intelectualidade, fez de sua imaginação prodigiosa uma aliada implacável, que dá a muitas de suas composições um teor criativo inapreensível por qualquer análise estruturalista grosseira, dessas que infelizmente primam em nossa crítica. “Yesterday” é um exemplo disso.

A música, diz Paul, “parece ter vindo de um sonho, quando numa manhã saltei para o piano e a música parecia já ter sido feita há muito tempo”. As três primeiras notas de “Scrambled egg’”, (palavras com que ele cantarolava a melodia) e as três sílabas de “Yesterday”, formam um dos encontros mais fascinantes que eu conheço. A nostalgia artística pode ter outros nomes, expressões, mas em “Yesterday” contemplou a perfeição. “Eleanor Rigby”, “The Long and Winding road”, “Let it Be”, “Hey Jude”, “Hello Goodbye”, são de um refinamento, de uma sutileza estrutural, muito além das possibilidades analíticas até hoje demonstradas pelo estruturalismo. Chico, com aquele jeito direto de falar, tocou nesse ponto de modo visceral, e em palavras tão simples que passaram batidas: “o crítico critica a letra, agora a música, a música com a letra ele não critica”, disse numa de suas entrevistas. A percepção das estruturas mais fantásticas só é possível com a abertura de todos os sentidos, de todo o intelecto, de todo sentimento. A canção “Fixing a Hole” me fez pensar nas questões de mundo interior e exterior, Princípio de Prazer e Princípio de Realidade, delírio e lucidez, e tantos outros conflitos, numa intensidade que poucos ensaios filosóficos, ouso dizer, chegaram perto. E tudo está ali, entre as sílabas, as notas, entonações criadas com mais filosofia do que muito filósofo possa conceber.



A contracultura serviu a Paul, como a terrível ditadura militar a Chico. Ambos extremamente ligados a tudo o que acontecia na época, foram afetados de muitas maneiras, porém, o que de fato imortaliza esses trabalhos é a dimensão mitológica a que foram alçados pelos seus contextos políticos, econômicos, culturais. Com todos os ecos políticos ainda ouvidos em “Construção”, ela mais me parece hoje um dos Cantos do Inferno que Dante Alighieri não escreveu. “Apesar de Você” é, sem dúvida, um hino de resistência perene, por tratar da revolução eterna, de um ponto de mutação desde sempre inevitável. Os exemplos se estenderiam ad infinitum, e sempre na temática do tempo. Lembro de “Valsa Brasileira”, letra de Chico para música de Edu Lobo, onde novamente somos reportados a Borges, pela densidade, síntese e discrição metalingüística quase absoluta: ...e pela porta de trás/ da casa vazia/ eu ingressaria/ e te veria/ confusa por me ver/ chegando assim mil dias antes de te conhecer. E o poeta chega à sua musa, que é também a valsa brasileira, revisitada pelos versos do seu imenso dom de sonhar.

Na pré-adolescência, quando comecei a fazer música, tinha sonhos com os Beatles. Num deles, o quarteto aparecia de terninho numa arena de Tokyo, trocando palmadinhas e cantando “A Noite dos Mascarados” do Chico. Em japonês. Num outro sonho (este, recorrente) eu estava sempre numa loja labiríntica à procura de um disco dos Beatles que nunca existiu. Os elementos oníricos obviamente variavam bastante, mas sempre acabava por encontrar um LP, e na capa eu via os quatro numa praia. Começava por ouvir o mar, depois um som tipicamente beatle que ia se desdobrando em sonoridades próximas a sons que eu comporia anos depois.

Sonhos com músicas novas misteriosamente ocultas dentro de um disco clássico onírico, talvez um arquétipo paralelo àquele de “O Imortal”, onde Borges passa a relatar um manuscrito escondido pelo protagonista no último tomo da Ilíada, de Pope. Sonhos, sonhos são… como diria o Chico. E para terminar relato um pequeno sonho musical, que originou uma versão da música. Ainda a estou fazendo. O sonho:

In Penny Lane there’s a barber showing photographs. Agora os vejo: Borges, Milton Nascimento, João Cabral, Gil, Shakespeare. Agora ele me mostra as fotos de toda cabeça que teve o prazer de conhecer: Magritte, Breton, Caymmi, Augusto de Campos, Caetano. Todos estiveram lá. E passaram na barbearia. Todos! E mantiveram segredo. O que haveria de tão inconfessável nessa rua musical da Infância? Agora os vejo: Ezra Pound, Drummond, Klimt, Pessoa. Um som. E olha lá, os ilustres fotografados saindo numa enorme banda. Com Pixinguinha, Webern, Cartola, Debussy, Chico. Dobram a curva e somem. Cantando coisas de amor.

Mário Montaut - ensaista e compositor

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Peck não é para todas

Janeiro é mês de ler, reler, ver e rever. To kill a mockingbird (O sol é para todos), de Robert Mulligan, baseado no romance homônimo de Harper Lee, entrou na "lista rever". A graciosidade da pequena Mary Badham sempre é esquecida, por mim, quando entra em cena a beleza furiosa de Gregory Peck.
Peck estrelou ao lado das maiores musas do cinema como Audrey Hepburn, em Roman Holiday (1953):


Ava Gardner, em On the beach:


Sophia Loren em Arabesque - com direito a banho na banheira e tudo mais:


Sem contar com Ingrid Bergman e outras. Casou-se com a jornalista francesa Veronique que trocou uma entrevista com Sartre por uma vida com Gregory Peck. O sol até pode ser para todos, mas Peck é de poucas. Das melhores.

sábado, 27 de dezembro de 2008

O que há por trás da venda


Após longo hiato o DESATINANDO retorna. A volta traz uma nova proposta: não só de meus textos pseudo-literários mas também de questões, não apenas literárias ou das belas artes, que me apetecem. Fiquem, então, com o primeiro post da nova fase:



Hoje em A Tribuna Sylvia Maria Mendonça do Amaral, advogada, publicou uma coluna, otimista demais para a realidade brasileira, com o seguinte tema: Melhores dias para homossexuais. Para mim 90% do texto foi uma grande balela. Tá, vocês podem me dizer que houve grande progresso, que hoje já existem casos de adoções homoafetivas, que as relações (em parte!) não são mais julgadas em varas cíveis (aquelas que lidam com contratos e afins) mas em varas de família etc e tal. Ora, o minúsculo avanço é inegável. Também é inegável a posição preconceituosa, determinista e tradicional-patriarcal do Judiciário brasileiro (prá não falar dos demais poderes). Um dicionário jurídico de 2005, considerado dos melhores, traz o seguinte conceito:

HOMOSSEXUALISMO. Medicina legal. 1. Atração erótica ou sexual que alguém sente por outra pessoa de seu sexo. 2. Prática de ato sexual entre pessoas do mesmo sexo, constituindo uma perversão ou inversão sexual.

Isso é apenas parte do que traz a obra a respeito do tema. Há ainda o homossexualismo feminino; o homossexualismo inconsciente; o homossexualismo masculino; o homossexualismo ocasional e, por fim, o homossexualismo profissional e comercial, todos, sem exceção, são tratados como perversão e suas práticas sexuais narradas sucintamente. Qualquer aluno do ensino médio, ouso dizer que do ensino fundamental também, com o mínimo de conhecimento lingüístico-morfológico sabe que o sufixo ismo remete à idéia de doença (ex.: alcoolismo) . Aliás, essa é uma questão antiga e, espero, superada; daí a mudança do uso de homossexualismo para homossexualidade. (Note: não foi alterada num dicionário de 3 anos atrás)
Conceitos são a base de toda uma construção lógico-racional. Como pode uma das obras mais utilizadas por nossos ilustríssimos jurisconsultos trazer, flagrantemente(!), uma visão embasada "nos bons costumes" e que, há de ressaltar, põe de lado a ciência (onde está a tal Ciência do Direito?)? O pior: essa noção é perpassada aos estudantes de Direito que aprendem, e mal, apenas manejar códigos (que sequer compreendem seu liame político-econômico) e aplicá-los aos "casos concretos". É de assustar a crença no avanço do Judiciário!

Decisões progressistas, nesse sentido, são isoladas. O princípio da igualdade é esquecido pela maioria esmagadora e o positivismo exacerbado louvado em Tribunais inferiores e superiores. Há os argumentos de ordem religiosa e moral defendida por muitos que, por Cristo!, não se sustenta. O Estado é laico e fim. Enquanto as Universidades e Faculs formarem operadores do Direito nada mudará. Enquanto não houver pensadores sociais, antropológicos e jurídicos os "dias melhores" continuarão por vir.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Pasto dental

Cravo-lhe os dentes
e rio do
gozo da carne
e do arrepio.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Seráfico

A Renan Gobbi, caríssimo.

Travei amizade da mais pura já vista
com ele em quem não vejo defeitos
e me faz ser iena
e falar em termos largos, abertos e profundos;
com ele que faz das manhãs de céu nublado dia claro
e orvalha vista sã com lágrimas e riso.

Ele que é do direito, da música e do torto
– da música torta, do direito esquerdo
e dos olhos lambuzados de verdes e azuis.
Com preponderância do verde ou azul?
Do azul ou do verde?

De tão pouca monta nossa filosofia!
Há ainda a vastidão de nossas viagens caronas e leituras.

Ele, do sorriso largo e doçura d’Ella;
ele que com sutileza refinada modela meus sentidos e afeto
como quem cria uma pérola torta e bela e sua.

Eu, sua torta, com o blindado coração minado
e os olhos mormacentos confesso
em meio à complicação incrivelmente
singela de minha vida: sinto: amo;
e é de alcance planetário.
É sempre seu. É todo seu.

sábado, 14 de junho de 2008

In perpetuum

Roda mundo, gira sol, roda gira
e a velha história:
paixão, fogo e notas de viola.